11.7.07

QUARTA-FEIRA, DIA 11 DE JULHO DE 2007

Finalmente!!!!!!!!!!!!!!!
Boas!
Lá consegui, com algum esforço, mas com muito gosto também, pôr no nosso Blog a segunda parte do artigo que o Tio Vasco escreveu sobre o nosso Avô/Bisavô Armando.
Louvo a dedicação que o Tio tem posto em dar a conhecer a todos as aventuras que se passaram tanto com o Avô Pedro como com o Bisavô Armando.
Estes Heróis, são, para mim, e no melhor sentido da palavra, os verdadeiros "MALUCOS DAS MÁQUINAS VOADORAS"!
O Blog dispõe-se, a partir de hoje, e uma vez que foram superados alguns desconhecimentos de informática à medida que esta transcrição ia sendo feita, a reportar toda e qualquer notícia que queiram ver publicada, aliás, como sempre o fez.
Um abraço especial ao Tio Vasco e fica uma pergunta da nossa redacção: não descobrimos quem é a senhora que está na última fotografia junto ao GAZA V.
Será uma familiar nossa?
Abraços e beijinhos a todos.
Bão.

DO CHAI-CHAI A ALVERCA - 2ª PARTE

O HORIZONTE DOS PIONEIROS
Texto - Dr. Vasco Torre do valle de Avillez
Fotos - Colecção do Autor
PARA A HISTÓRIA DA AVIAÇÃO, NO QUE SE REFERE A MOÇAMBIQUE, A PARTE MAIS INTERESSANTE É A PREPARAÇÃO E A EFECTIVAÇÃO DO VOO DO CHAI-CHAI A ALVERCA, REALIZADO NA PRIMEIRA METADE DE 1933 E QUE CORRESPONDIA AO SONHO QUE TORRE DO VALLE ACALENTAVA DE LIGAR A SUA TERRA, O CHAI-CHAI À CAPITAL DA PÁTRIA, LISBOA.
Como se sabe não havia aeroporto em Lisboa e a base mais perto dentro da zona de Lisboa era Alverca, ainda considerada como pertencendo à capital e, como sabia que a poderia utilizar, foi para aí que Torre do Valle rumou. Os mapas originais da viagem, bem como a sua caderneta de voo, foram oferecidos por sua filha Maria de Lourdes Torre do Valle d’Avillez ao Arquivo Histórico de Moçambique, na visita que ali fez comigo e com a minha mulher em 1996, ficando no entanto a família com cópias de todos estes documentos.
Torre do Valle desperta a atenção do Aero Clube de Moçambique e dos seus sócios, com o seu plano de ir passar férias a Portugal, usando como meio de transporte o avião.
A sua nova aeronave, que adquire para o efeito, em 10 de Março de 1933, um DH80A “Puss Moth”, baptizado Gaza III, recebe a matrícula CR-MAG, e é-lhe entregue em Jo’ burg, na África do Sul, onde vende o Gaza II.
No Chai-Chai já tinham começado os treinos de voo nocturno, com a pista iluminada por archotes e candeeiros de petróleo, e o aperfeiçoamento da técnica de voo por instrumentos.
A transformação do avião foi também considerada de forma a aumentar a autonomia, chegando durante a viagem a fazer tiradas de nove horas, quando o normal nestes aviões é de um máximo de seis horas de voo.
Nas vésperas de 1 de Abril, os jornais começam a interessar-se pela história e Torre do Valle limita-se a dizer que não quer dar entrevistas, nada do que está planeado é notícia, mas apenas um passeio que ele e o seu aluno-piloto Amadeu Araújo querem dar e que os vai levar do Chai-Chai até Lisboa. O aviador vem visitar a mulher e os seus três filhos que estudam em Portugal e vivem na sua casa, recém adquirida, em Cascais.
Nas vésperas da partida para a Grande Aventura, o seu amigo Carlos C. Bastos, presidente do Aero Clube de Moçambique, parte para o Chai-Chai para estar presente à partida, no sábado 1 de Abril de 1933. Na sexta-feira há uma sessão solene na Câmara Municipal do Chai-Chai logo seguida de uma outra no Sporting Clube do Chai-Chai, de que Torre do Valle é sócio perpétuo, destacado, e proprietário de uma bandeira privativa que pode ter em sua casa.
No dia 1 às seis da manhã, vão todos para o campo de aviação e no meio de grande agitação e do aplauso geral, o avião parte e transforma-se numa mancha cada vez menor que desaparece no horizonte em direcção ao Norte.
1 de Abril de 1933, momentos antes da partida para Lisboa


É a História a ser escrita, outra vez por mãos de Moçambicanos, em português e, como habitualmente, sob a bandeira desinteressada da “carolice”, do pioneirismo e do orgulho de levantar mais alto os nomes de Moçambique e de Portugal.
À sua custa e com base no seu material, no seu saber e no seu espírito de aventura, piloto e aluno começam naquele dia uma das maiores aventuras jamais vividas por Portugueses, Homens do ar e, para o seu tempo, uma das mais importantes em aviões civis destas dimensões e autonomia.
As escalas sucedem-se.
Os relatos por telegrama, que Torre do Valle manda para o seu amigo Carlos Calçada Bastos, são eloquentes.
Este passa-os para os jornais locais, Notícias e o Lourenço Marques Guardian.


OS PRIMEIROS ECOS NA IMPRENSA MOÇAMBICANA


Algumas achegas, para que a História da Aviação Civil de Moçambique fique certa e mais completa. Afirma o Cte. Vilhena que “… Torre do Valle efectua a sua ligação aérea Moçambique – Inglaterra e não a ligação aérea Moçambique-Metrópole como é referido no artigo, já que Alverca foi somente um ponto de passagem entre Lourenço Marques e Londres…”.
Ora todos os jornais da época que pudemos consultar não mencionam, nem noticiam senão o raide aéreo entre o Chai-Chai e Lisboa.
São eles o Lourenço Marques Guardian, de 28/03/33 e de 01/04/33.
Achamos que basta referir as seguintes passagens:

”O Sr. Armando Torre do Valle, um grande entusiasta senão o maior de todos nesta colónia, da invenção que equiparou o homem ao pássaro, levanta hoje voo, pelas 7 horas da Vila de João Belo no seu Puss Moth “Gaza III” em demanda das terras de Portugal levando como companheiro o Sr. Amadeu Araújo, aluno do Aero Club e proprietário do “Gaza I”, (…) Ontem pouco antes do meio dia fomos encontrar o Sr. Torre do Valle no aeródromo, fazendo os últimos preparativos para a largada definitiva desta cidade. Preparava o “Gaza I” em que seguiu mais tarde às 12,45 com o Sr. Araújo para o Chai-Chai, a fim de assistir aos últimos retoques no seu avião – retoques que têm sido feitos com toda a dedicação pelo piloto aviador e mecânico, Sr. Manuel Rocha, também de Vila João Belo.”

Cremos que fica bem explícito que em Moçambique nunca houve dúvidas de que este voo era para ligar o Chai-Chai a Lisboa.
Aquele jornal tem mais referências em 1 de Abril, em língua inglesa, e em 6, 11 e 22 de Abril de 1933 e em Maio, dia 2 e dia 16 dá a notícia bombástica de que Torre do Valle chegara a Lisboa e que tivera êxito o seu voo:

”Por notícias recebidas nesta cidade, soube-se que o Sr. Armando Torre do Valle aterrou ontem, às 10 horas em Lisboa, no Campo de Alverca, tendo conseguido levar a cabo o seu magnífico raid aéreo Chai-Chai – Lisboa”.

Também o jornal Notícias de Lourenço Marques escreve na primeira página da sua edição do dia de 29 de Março de 1933:

“Lourenço Marques vai retribuir à Metrópole a visita aérea de há anos, feita a esta cidade por aviadores portugueses. Esse empreendimento vai ser levado a efeito pelo aviador civil Sr. Armando Torre do Valle, que nesta cidade obteve o seu brevet, e que levará como passageiro, o Sr. Amadeu Araújo.”

Este mesmo jornal recebe quase diariamente relatos de Carlos Calçada Bastos, que assim vai informando os interessados de todo o Moçambique sobre o desenrolar do voo, as avarias e a chegada triunfal a Lisboa. São ao todo nove reportagens e destas salientamos a do dia 18 de Maio que relata “O Voo do Gaza III”, destacado na imprensa de Lisboa:

Os jornais desta cidade enaltecem a travessia aérea Lourenço Marques-Lisboa, feita pela avioneta “Gaza III” tripulada por Torre do Valle e Amadeu Araújo, em 12 dias [de voo útil] num percurso de 12.400 km.”

E no dia seguinte, citando o “Diário de Notícias” e “O Século”, ambos de Lisboa, noticiavam que a avioneta “Gaza III” tinha voado sobre a Capital…
Cremos que assim fica bem documentado este ponto de que o voo era para Lisboa. Interessante é, no entanto, referir que algumas notícias mencionam o voo como tendo sido de Lourenço Marques.
Ora, nós sabemos, quer pelo “Log Book”, quer pelo feitio e personalidade de Torre do Valle, que o seu desejo era o de unir a sua terra, Chai-Chai, a Lisboa e que o avião, na véspera da partida, estava no seu hangar em Vila João Belo a ser revisto, preparado e afinado, pelo seu amigo Manuel Rocha.
Foi extraordinário este ano de 1933 em que Torre do Valle completa, no dia 3 de Maio, em pleno voo para Lisboa, o seu quinquagésimo aniversário!


Através desses jornais, Moçambique inteiro vibra com o progresso do “Gaza III”.
Passam o deserto de lama do Sudd e pouco depois, em Kartum, ocorre uma avaria.
Parte-se uma biela, que fura o carter, e o avião precisa de uma grande reparação.
Vêm as peças da África do Sul e, depois de alguns dias, seguem para o Cairo.
Torre do Valle não está satisfeito com o motor e no Cairo decide desmontá-lo e voltar a montá-lo, corrigindo as deficiências provocadas pela avaria anterior – tinham sido montados ao contrário os bronzes da cambota! Na carta para o seu amigo C. Bastos queixa-se que mal teve tempo de ver as pirâmides, mas que o Araújo tem conseguido ver tudo...
Durante esta viagem completou, sem pompa nem circunstância, os cinquenta anos de vida (em 3 de Maio de 1933), estava ele no Cairo. E, finalmente, a 14 de Maio 1933 chegam a Alverca, ao Campo de Aviação de Lisboa. Porém, como não tinha sido retransmitido para Alverca o seu telegrama de que “contava chegar” no domingo dia 14, de nada sabiam as autoridades portuguesas, nem os praças que se abeiraram do avião e que se lhe dirigiram em francês!
Torre do Valle e Araújo ficaram espantados.
Logo acorreu um oficial que se apercebeu da envergadura do voo realizado, os convida para almoçar e oferece-lhes transporte para Lisboa.
Foi, na época, o maior voo, cerca de 12500 km, jamais realizado por civis portugueses e assim continuou por muito tempo sem ser batido este recorde.
O Diário de Notícias pega na história e O Século também.
No dia seguinte foram de avião dar um pequeno passeio sobre Lisboa.
Alguns dias depois é um grupo de Moçambicanos que estão em Lisboa que se reúne com os dois aviadores para um almoço que festeje condignamente o feito alcançado.

Calçada Bastos e Torre do Valle


Poucos dias passados Torre do Valle voa para Espinho e ao voltar à Capital comenta com os amigos que de facto “... isto é muito pequeno pois voando duas horas para leste ou quatro para o Norte ou Sul está-se logo fora de Portugal…”
Faltam-lhe os espaços sem fim da África e por certo, no meio da alegria de estar com a família, lhe cresce a saudade da vida de África, do seu trabalho, da caça grossa, da mecânica, das tardes passadas com Manuel Rocha a planear a Aero Colonial e a afinar os aviões de cada um.
Parte, então, com a sua mulher Emma, de Lisboa no dia 19 de Junho de 1933 e, via Madrid, Biarritz, e Paris, aterra em Londres em 22 de Junho e, claro, vai visitar a fábrica De Havilland.
O avião ficaria em Inglaterra para revisões sendo enviado de barco para Moçambique, onde chega em 30 de Setembro de 1933, uma vez que a referência seguinte a Londres no seu Log Book é de 31 de Julho de 1933 aos comandos do avião sul-africano de Rod Douglas e refere um voo de Jo’burg para o Chai-Chai. Os anos seguintes são de intenso trabalho quer na Aero Colonial quer ainda no Aero Clube de Moçambique, onde dedica todo o tempo de que dispõe ao ensinamento dos mais novos e com eles e para eles, funda o grupo de “Voo à Vela”, a que hoje chamamos planadores, e que logo foi baptizado com o nome de “Grupo Torre do Valle”.
Desse grupo fizeram parte pessoas que ainda hoje estão vivas e uma, que entrevistei, a Bibla Sousa Costa, contou-nos há bem poucos anos, ainda com emoção, os voos que fizeram, os treinos e o equipamento que havia, tudo oferecido por Torre do Valle e que constava essencialmente de dois planadores, um cabo de aço forte e um automóvel para puxar e fazer levantar o aparelho.
É desse tempo também o comandante Carregal Ferreira, que há poucos meses Deus chamou a Si, e que aparece mencionado no catálogo do Primeiro Festival Aéreo de Moçambique, em 1938, já sem Torre do Valle entre o número dos vivos, mas com a sua memória e a sua imagem bem presente entre todos os participantes e espectadores.
Durante o ano de 1935, no dia 26 de Janeiro, aparece o único avião que não é da De Havilland, um B. Klemm com a matrícula CR-MAI, o “GAZA – IV”.
Sabemos que esta letra B, na marca do avião, significa British, pois estes aviões eram montados no Reino Unido, e comercializados por essa mesma firma nos seus mercados. Os aviões Klemm, alemães, tinham a maior aceitação nos meios aeronáuticos de língua inglesa, pois ainda estamos a quatro anos da Segunda Grande Guerra e, portanto, o material alemão tinha ainda muita procura.
Esta firma mais tarde mudaria de nome.
Em 1936, é dissolvida a Aero Colonial para se formar a DETA.
Manuel Rocha transita para esta companhia como um dos primeiros pilotos do seu quadro.
Armando Torre do Valle mantém o hangar que era da Aero Colonial, no Aeródromo de Lourenço Marques (Carreira de Tiro) e tem, entretanto, um outro hangar no Chai-Chai, que é o orgulho da Terra por ser tão moderno e estar tão bem apetrechado.
Em 8 de Setembro de 1936, chega-lhe o seu “GAZA – V”, um Hornet Moth, com a matrícula CR-AAC. Este avião foi, depois de 1974, enviado para Portugal para o Museu do Ar, e está guardado no pólo de Sintra daquele museu.
Queremos ainda referir que, em 29 e 30 de Outubro de 1960, se realizou em Moçambique o Rally Aéreo “Torre do Valle,” durante o qual, mais precisamente ao jantar do dia 29 no Hotel Chai-Chai, na praia, foi muito aplaudido e homenageado o piloto Manuel Rocha que tinha chegado umas horas antes, trazido pelo Engº Jorge Jardim.
Um avião do Aero Club de Moçambique tinha lançado um pequeno pára-quedas com uma fotografia de Armando Torre do Valle e outros dois aviões, do mesmo Aero Clube, lançado ramos de flores. A Manuel Rocha é então pedido que discurse sobre o seu amigo Armando Torre do Valle.
Emociona-se e afirma que não é ele a pessoa indicada para o fazer, mas afirma que “Torre do Valle é o único que merece aquela homenagem pois foi o principal; foi ele o verdadeiro Pioneiro e mais ninguém.”
Falou então o Sr. Carlos Calçada Bastos, fazendo um relato circunstanciado dos vários feitos aeronáuticos de Armando Torre do Valle e de Manuel Maria Rocha e tecendo a ambos um rasgado elogio.
Deste Rally Aéreo foi vencedor absoluto o Aero Club de Inhambane que, por isso, recebeu a taça A. Torre do Valle.

Torre do Valle preparando-se para voar num dos seus planadores


O jornal Notícias de Lourenço Marques que consultámos, tinha abundante informação sobre todos os aspectos deste Rallye.
Em 1938, tinha o aviador pioneiro morrido havia um ano, foi realizado um outro Festival da Aviação também com o nome de Torre do Valle.
Num próximo artigo falaremos com mais detalhe sobre ambos os certames.


O FIM TRÁGICO DE UM PIONEIRO

Em Setembro de 1937, o governo de Gaza pede a Armando Torre do Valle que se disponha a perseguir e a dizimar uma manada de elefantes que estavam a devorar as culturas na zona do Chibuto e que já tinha provocado vítimas entre os nativos.

No dia 16 de Setembro, cedo, Torre do Valle dirigiu-se para o local de Maqueze que fica ao Norte Noroeste do Chai-Chai e, logo pela manhã, abate mais um paquiderme, o sétimo desta caçada. Calculamos que, pelo número de anos em que caçou, Armando Torre do Valle abateu mais de 210 elefantes.
O seu encontro fatal, pelos testemunhos que nos chegaram, acontece a certa altura em que se lhe deparou na mira da sua espingarda um animal de proporções nunca por ele vistas.
Como habitualmente, aproximou-se o mais possível e só quando já estava em posição de não deixar que o elefante fugisse é que se lhe deu a conhecer, forçando, como era seu hábito, a que o elefante carregasse sobre si.
O tiro partiu certeiro, como habitualmente, mas o animal de proporções únicas, não caiu redondo como ele esperava.
A distância entre os dois já não permitia novo tiro em condições e por isso Torre do Valle recuou para arranjar o ângulo necessário ao novo tiro.
O elefante, ferido de morte, continuava a avançar devagar, mas agora muito, muito mais perto.
Torre do Valle recuou e põe um pé numa cova, espécie de ratoeira, caindo para trás desamparado.
E, no mesmo momento, o elefante apanha-o com a tromba.
Dois formidáveis golpes com a possante tromba põe fim à vida do destemido caçador.
O elefante, que entretanto caíra ao seu lado, passadas poucas horas morre também, vítima da bala que lhe encontrara o ponto mortal, mas com uma lentidão fora do normal e só explicável devido às proporções já mencionadas.
Sem a família em Moçambique, foram os seus amigos que se encarregaram de tudo o que foi necessário. O corpo foi imediatamente levado para o médico do Chai-Chai, mas estava já irremediavelmente sem vida.
Da capital, o Aero Clube, avisado por rádio, enviou um avião para o trazer se ainda estivesse vivo. Carlos Calçada Bastos deslocou-se para o Chai-Chai e juntou-se ao seu irmão Afonso que já estava a tratar dos preparativos para o funeral. O Aero Clube enviaria um avião para trazer o caixão, mas não caberia e por isso a W.N.L.A. mandou vir uma Micheline, espécie de carruagem de comboio própria para enterros. Depois da autópsia, que mostrou bem a força da fera que o matou, o corpo saiu do hospital, coberto com a sua bandeira privativa do Sporting Clube do Chai-Chai.

Segundo o jornal Notícias de Lourenço Marques – “Por iniciativa do seu amigo Alberto Abrantes que só chegara já na madrugada do dia 17, o Corpo e o Espírito de Torre do Valle foram primeiro despedir-se dos pontos que ele mais prezava ver.”

O compound onde vivera tantos anos, o Sporting Clube do Chai-Chai e, claro, o campo de aviação e o seu avião.
Em todos estes locais estavam os seus amigos e, por isso, de certa maneira ele pôde despedir-se dos sítios e das pessoas.
Conta Manuel Rocha, em 1960, que, para o enterro, o Carlos Calçada Bastos convocou muitos aviões, quer os do Aero Clube de Moçambique, quer os de outros aero clubes e todas estas aeronaves sobrevoaram o comboio que o transportava para a capital da província, lançando- lhe muitas flores.

O GAZA IV, UM B. KLEMM



GAZA V


O corpo ficou em câmara ardente no seu hangar da carreira de tiro e daí partiu no dia seguinte, em cortejo automóvel para o cemitério de São Francisco Xavier.
Juntou-se toda a comunidade e quando o corpo chegou ao cemitério ainda havia carros e pessoas no aeroporto.
Novamente passam os aviões do Aero Clube e desta vez são duas corôas de flores que são lançadas de outros tantos aviões. Uma caiu, como se previa, na sua campa, rasa, a marcar o local onde o Pioneiro, o Caçador, o Aviador descansaria o seu último repouso, a outra caiu mais à direita e quando a foram buscar viram com espanto que caíra na sepultura do seu irmão Eugénio que morrera três anos antes, e que era o irmão mais “próximo” de Torre do Valle.
Na História da Aviação Civil e, acima de tudo, na História da Aviação de Moçambique a figura de Torre do Valle é incontornável, de tal forma que lá é conhecido como o Pai da Aviação de Moçambique.
Importa, por isso, realçar alguns traços da sua personalidade; as suas raras qualidades humanas de inteligência e artísticas entre as quais se destacam o desinteresse económico, a constante atenção dedicada em ajudar os outros, com os meios de que dispunha, a sua visão em descortinar desde logo o papel da aviação em África e o começo da Aero Colonial.
Por último, a intuição para os aspectos da mecânica aeronáutica que fez dele um perito... sem curso!
Aqui avulta, também, a figura de Manuel Maria Rocha que, de técnico chefe dos Serviços de electricidade da Câmara Municipal de Gaza, avança de vitória em vitória pelo campo da aviação civil, realizando a proeza de começar com uma “ferramenta” já usada e estragada, reconstruída de tal forma que o piloto chefe da firma De Havilland lhe disse, depois de voar no Cirrus Moth, CR-MAC, chamado “Chai-Chai”:

“este avião está melhor agora, do que quando saiu da fábrica!”

Manuel Rocha é recordado com muita saudade em Moçambique, por todas as razões, entre as quais pelo convite que dirigiu à Câmara, no dia 11 de Dezembro de 1931, durante a sessão extraordinária da Comissão Municipal de Gaza em que... [e aqui preferimos manter a grafia original]

“… foi lida a carta que se segue, do conhecido mecânico Sr. Manuel Rocha:

‘Adquiri há tempo, como naturalmente V. Excia não desconhece, os restos de um avião, que foi pertença do Major Miller e que em 1928 caiu na Baía de Lourenço Marques, completamente avariado. Do referido avião além do motor, poucas peças se aproveitaram, e assim foi o mesmo por mim, completamente reconstruído tendo há dias sido submetido a experiências, sob os melhores auspícios, pelo piloto aviador Sr. J. Chailds, que aqui estava de passagem.
Ao avião será dado o nome “Chai-Chai” – título nobiliárquico da vila de João Bello, escolhido pelo Exmº Sr. Armando Torre do Valle. Como a cerimónia do batismo do aparelho em referência está fixada para as dez horas do próximo dia vinte do corrente, no CAMPO DE AVIAÇÃO [sic.] desta Vila, tenho a honra de em V.Exa. convidar a Exma. Câmara para à mesma cerimónia dar a honra da sua comparência.’”

Sobre o assunto da presente carta, foi pelo digno vogal, Sr. Gilberto Gonçalves Túbio, feita a proposta que se segue e a quem o Senhor presidente deu a sua inteira aprovação:

(...) Aproveitando o ensejo da cerimónia do batismo do avião “Chai-Chai”, propõe:

1º. Que por ocasião da cerimónia de batismo do novo avião, no mastro indicador dos ventos, seja colocada uma placa com os seguintes dizeres --------“ CAMPO DE AVIAÇÃO A. TORRE DO VALLE – HOMENAGEM DA VILA DE JOÂO BELLO AO PRIMEIRO AVIADOR CIVIL DA COLÓNIA DE MOÇAMBIQUE” ---------------------------

2º. Que aos dois interessados se envie cópia desta resolução dizendo-se no ofício de remessa, que a Comissão Municipal se associa com muito prazer á primeira cerimónia ao mesmo tempo que procederá à da colocação da placa no campo da aviação. --------------------------------------
(Ass:) Francisco Lino da Silva. - Gilberto
Gonçalves Túbio. – Juvencio da Silveira
Secretário da Câmara-------------------------
Está conforme-----------------------------------
Secretaria da Câmara Municipal de Gaza, na Vila de João Bello, 14 de Dezembro de 1931
[segue-se o selo da Câmara e a assinatura do Secretário]
----------------------------------------------

Eram, em suma, dois Moçambicanos cheios de orgulho de o ser e que, à sua maneira, contribuíram para o engrandecimento daquela Terra. Termino, respondendo à minha questão inicial:
Qual é o Horizonte dos Pioneiros?
É o Infinito.

Assim sendo, estes Homens viverão para sempre na nossa memória colectiva.

Vasco Torre do Valle d´Avillez. Linhó, em 3 de Maio de 2007

(O meu Avô nasceu há precisamente 124 anos)

00 MAIS ALTO Jul/Ago 07

O Gaza V na Base de Sintra, onde hoje se encontra, fazendo parte do acervo do Museu do Ar.